Usando óculos escuros, o auxiliar de rota Fredson Pereira, 39 anos, é quem conforta a família. Está enterrando o filho mais velho – o estudante Franklin Silva Santos, 17, – mas é ele quem abraça os pais, tios, primos, irmãos, no cemitério da Quinta dos Lázaros. Morador de Águas Claras desde que nasceu, Fredson escolheu o bairro para criar seus três filhos. Nos últimos anos, contudo, sofria com a escolha. Assim como outros pais e mães da região, vivia a luta diária de tentar proteger os filhos da violência na região.
Fredson conta que o filho tentou se defender antes de ser morto (Foto: Evandro Veiga/CORREIO)
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Se alguém da casa precisava ir ao mercado, era sempre Fredson. Se alguém precisava ir a algum lugar, era sempre ele quem acompanhava. No final de semana, o auxiliar pediu que Franklin ficasse em casa. O adolescente ficou. Mas, na última terça-feira, a proteção do pai não conseguiu evitar o pior: Franklin foi morto com quatro tiros nas costas e na cabeça, bem no dia do aniversário de Fredson. Foi a segunda vítima de uma guerra de facções da região em menos de dois dias: o primeiro foi Samuel Felipe Pereira, 21, no último domingo.
Ontem, no cemitério, estava conformado: vai deixar Águas Claras. “Não tem mais onde ficar. Ainda não sei para onde (vão se mudar), porque vou esperar o fim do mês. Quero ir para um bairro menos violento”, dizia. Ao CORREIO, Fredson fez um desabafo: “Queria que as pessoas soubessem como a gente está vivendo lá. Como é difícil ser um pai que criou sozinho seus filhos e agora tem que enterrar um deles por uma guerra que a gente não tem nada a ver”.
A mãe de Franklin morreu há cinco anos, vítima de um infarto, mas os filhos – Fredson tem outros dois meninos, de 15 e de 10 anos – sempre viveram com o pai. Na casa, moram ainda os pais do auxiliar de rota, avós do adolescente. Na terça-feira, Fredson saiu às 5h, porque seu turno em uma fábrica de cervejas, em Campinas de Pirajá começaria às 6h. Franklin ficou em casa. “Eu já saio de casa olhando para os cantos, para ver se não tem ninguém escondido, é sempre assim. E ele estava em casa, o avô ainda disse para ele tomar café e ficar assistindo DVD”.
Foi quando a namorada do adolescente ligou, pedindo que a buscasse no ponto de ônibus na Rua Lourival Costa e a acompanhasse até a casa dele, por volta das 8h30. “No trabalho, meus colegas chegaram: 'rapaz, tenho uma notícia ruim para te contar'. Foi o mesmo que levar uma facada. Você vê acontecer, mas nunca imagina que vai acontecer com você. A gente nunca acha que vai acontecer de dia...”.
Quando os suspeitos chegaram, Franklin ainda tentou se defender. Tentou explicar que não tinha envolvimento com o crime, que não era por ele que estavam procurando, que devia ter acontecido algum engano. Morreu com as mãos na cabeça. Estudante do 1º ano do Ensino Médio no Colégio Estadual Ana Bernardes, Franklin frequentava o Salão do Reino das Testemunhas de Jeová desde criança, assim como o resto da família.
“Quando não são os de cá atirando, são os do fundo. Eles saem atirando em quem encontrar, não em importa em quem está ali. Em quem pegar (o tiro), pegou”, denunciou Fredson. Segundo a polícia, as quatro principais facções criminosas do estado atuam em Águas Claras: Comando da Paz (CP), Caveira, Katiara e BDM. Para a polícia, as mortes no bairro estão relacionadas à expansão do BDM na região – a facção é a mais recente, mas tida como a mais violenta.
Um dia antes de Franklin ser morto, moradores da Rua Lourival Costa, onde ele também vivia, receberam áudios pelo Whatsapp de supostos traficantes da Katiara, que atua na Rua Direta da Caixa D'Água. Nos áudios, diziam que um inocente havia sido morto lá, referindo-se a Samuel, e que, em reposta, matariam um inocente ali. Refugiados de uma guerra particular, os moradores de Águas Claras não têm livre circulação pelo bairro.
A madrasta de Franklin, que não quis se identificar, teme que tenha que se afastar de Fredson por conta dos confrontos. Ela mora em uma área diferente dele, perto do final de linha. “Nunca imaginei que isso fosse acontecer no meu bairro. A gente nem tem como ficar junto mais. Eu não posso ir lá, nem meu marido pode ir na minha casa”, contou a mulher, que vive em Águas Claras desde 1992.
O estudante Franklin Silva Santos, 17 anos, (à esq.), foi morto na porta de escola; familiares e amigos de Samuel Felipe Pereira, 21, (à dir.), protestam contra a violência no bairro (Foto: Almiro Lopes/CORREIO)
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O tio de Franklin, o auxiliar financeiro José Nilton, 43, diz que já conversou com o sogro, pai de Fredson e avô do adolescente, para convencê-lo a se mudar também. Os avós de Franklin, segundo a família, chegaram ao bairro mais de 40 anos atrás, quando a região ainda era pouco urbanizada. “Quando a gente chegou, só tinha mato. Não tinha nada. Mas a violência está no mundo todo”, diz o tio-avô do menino, Serapião Bispo, 77, que mora em uma casa vizinha.
“É um prédio familiar, que pertence à família há muitos anos, por isso eles são apegados”, explicou José Nilton. Ele próprio morou lá por cerca de 20 anos – até se mudar, no ano passado, justamente por conta da violência. Quando conseguiram um imóvel em um condomínio fechado, em Fazenda Grande, viram a oportunidade de uma vida um pouco mais tranquila. Proprietário de um salão de beleza no bairro com a esposa, está pensando em mudar o estabelecimento para outro lugar. Para Nilton, sempre existiu violência lá – mas nunca nesses índices.
“Ninguém está livre dessas atrocidades. Franklin não é o primeiro, nem o segundo. A gente já viu crianças bem mais novas que ele morrerem assim. E nós ficamos reféns do tráfico, porque tem dias que eles fecham a rua, não querem que ninguém saia. Não pode levar os filhos na escola, não pode ir na igreja. Preferi sair daqui para tirar meus filhos dessa convivência”.
Morto na lan house
Antes de Franklin, foi Samuel Felipe Pereira, 21. Ele morreu no domingo, executado em uma lan house na Rua Presidente Médici, próximo ao final de linha, por volta das 12h. Por telefone, uma das irmãs de Samuel disse ao CORREIO que a mãe, Edmarise Pereira, pensa em sair de Águas Claras. “Mas provavelmente vamos continuar aqui, ela só pensa, mas, querendo ou não, ela gosta daqui, mesmo com todas as dificuldades”, contou a jovem.
Antes de Franklin, foi Samuel Felipe Pereira, 21. Ele morreu no domingo, executado em uma lan house na Rua Presidente Médici, próximo ao final de linha, por volta das 12h. Por telefone, uma das irmãs de Samuel disse ao CORREIO que a mãe, Edmarise Pereira, pensa em sair de Águas Claras. “Mas provavelmente vamos continuar aqui, ela só pensa, mas, querendo ou não, ela gosta daqui, mesmo com todas as dificuldades”, contou a jovem.
Como foi publicado pelo CORREIO ontem, um policial que não quis se identificar informou que integrantes do Bonde do Maluco (BDM) mataram Samuel por engano. Eles procuravam um irmão do jovem, que seria ligado à Katiara. Depois disso, a Katiara teria buscado “um inocente” para matar, em resposta. Foi quando Franklin entrou na história.
Na verdade, Samuel foi o terceiro filho que Edmarise perdeu. Antes disso, outros dois morreram em 2008 e em 2009. A família mora em Águas Claras há 18 anos, depois de ter saído da Avenida Suburbana, com alguns intervalos – um deles justamente em 2008, quando voltaram ao Subúrbio e o filho mais velho foi assassinado. Na época do segundo, já tinham voltado a Águas Claras. “Ele trabalhava em Valéria. Um dia, meu irmão saiu para trabalhar e não voltou mais”.
Mesmo assim, a irmã de Samuel diz que a situação antes não era tão grave quanto é hoje. No entanto, acreditam que a violência é generalizada – por isso, não adianta se mudar. “Em todo lugar está assim. Tenho medo de ficar aqui, mas se você corre de um bairro, está assim em outro. Cada dia que passa está ficando pior”, desabafou.
Na tarde de ontem, uma equipe da 2ª Delegacia de Homicídios (Central) foi até Águas Claras para buscar as imagens de segurança de câmeras que porventura tenham registrado os crimes – as imagens, contudo, não devem ser divulgadas, mas apenas utilizadas na investigação. Segundo a assessoria da corporação, ainda não é possível determinar qual é a relação entre os dois crimes, mas a polícia não descarta nenhuma hipótese.
saiu; ww.correio24horas.com.br/
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