Falta
de estrutura e más condições de trabalho. Estas são as principais
reclamações dos juízes sobre a atual situação do magistrado baiano. Para
chamar atenção da sociedade, cartazes foram afixados nas portas de
quase todas as Varas Civis do Fórum Ruy Barbosa, informando a quantidade
de processos em andamento, assim como a deficiência no número de
servidores em exercício. O ato integra a campanha Questão de Justiça,
lançado pela Associação dos Magistrados da Bahia (AMAB), em julho deste
ano.
O
objetivo da campanha é chamar a atenção da sociedade para a situação do
magistrado baiano já que, o número de processos dobrou nos últimos
anos. Segundo informações da AMAB, em 2012 a Bahia tinha cerca de dois
milhões de processos e atualmente tem cerca de quatro milhões, porém o
número de servidores em exercício não é compatível para atender essa
demanda. A Bahia possui 586 juízes, o que representa uma demanda de sete
mil processos para cada juiz, sendo que o indicado pelo relatório da
ONU seria mil para cada.
Quem
procura ajuda na 27ª Vara Civil, por exemplo, é surpreendido com o
cartaz na porta informando que no local há cerca de 5.295 processos em
andamento, com apenas um juiz, quatro escreventes, três oficiais de
justiça e um assessor. No cartório ainda faltam diretor, subescrivão e
defensor público, o que impossibilita a agilidade nas conclusões de
casos. Na mensagem ainda consta uma observação sobre o artigo 216 da Lei
de Organização Judiciária do Estado da Bahia, “na qual prevê o quadro
funcional constituído por 17 servidores (excluído assessor e oficiais de
justiça), lotação nunca atendida nos cartórios da capital”.
De
acordo com o juiz responsável pela 27ª Vara Cível, Maurício Lima,
diante da falta de condições de trabalho, os juízes baianos são
‘obrigados’ a escolher processos. “A situação na 27ª Vara melhorou
bastante, porque tenho uma equipe com cinco servidores muito bem
engajados, que trabalha durante greves e finais de semana, porém ainda
precisamos de ajuda. Me sinto como se fosse um médico em uma UTI que
precisasse escolher qual paciente salvar. A gente frustra por ter que
selecionar processo, pois somos obrigados a ferir o princípio da
igualdade das partes”, afirmou.
Ainda
de acordo com Lima, existem varas funcionando apenas com dois
servidores. “Tem locais que está com situação muito pior que a minha,
como as 39ª e 30ª Varas e a Vara da Família. Tem unidades com dois
servidores e o triplo de processos que tenho aqui (27ª). Como o juiz
fica no cartório sem ter quem cumpra seus despachos? Estamos pedindo
socorro para não perdermos a credibilidade”, disse.
Fundada
inicialmente para atender casos direcionados ao consumidor, a 30ª Vara
Civil tem uma das situações mais complicadas, como afirmou o juiz Lima. O
cartaz da porta indica que existem 14.731 processos em andamento, com
apenas cinco escreventes, cinco oficiais de justiça, um diretor de
secretaria e uma escrivã. No cartório ainda falta subescrivão, sendo que
dos cinco oficiais de justiça, dois trabalham internamente, por
questões de necessidades.
Segundo
informações de Carla Ceará, juíza auxiliar da Vara e coordenadora da
campanha, diante do caos atingido em 2008, com 50 mil processos, o
Conselho Nacional de Justiça implantou um programa interativo no local
para organizar as varas. Atualmente, o número é bem menor, mas ainda
assim é preocupante.
“Vivemos
uma situação de abandono em primeiro grau. Não temos assessores e nem
um sistema de informática que funcione. Estamos com estrutura do século
XIX para uma demanda do século XXI. O nosso grito é de alerta com essa
campanha. Queremos construir uma sociedade mais justa e ética, mas
precisamos de ferramentas para isso. Pela primeira vez estamos dizendo a
população que precisamos de ajuda, pois estamos vivendo uma situação de
impotência diante do caos”, afirmou a juíza.
Situação precária dos cartórios baianos
Os
privilégios dados aos desembargadores e a falta de participação das
eleições diretas do Tribunal de Justiça são causas apontadas pelos
juízos para o caos vivido nos cartórios baianos. Segundo Carla Ceará,
todos os investimentos são feitos para os desembargadores, o que tem
sido refletido diretamente na sociedade, pois 96% dos processos tramitam
no primeiro grau. “Existem 4 milhões de processos no primeiro grau para
586 juízes. Já no segundo grau existem 40 mil processos para 49
desembargadores. É nítido que precisamos de mais atenção, melhorias nas
condições de trabalho e mais diálogos com o segundo grau e o Tribunal de
Justiça”, disse a juíza.
De
acordo com o juiz Maurício Lima, falta boa vontade política para
resolver a situação dos cartórios baianos. “É preciso que o poder
executivo atente para o judiciário para que não sejamos vistos pela
sociedade como um poder omisso, frouxo e retardado. O executivo não pode
ignorar essa situação que atinge diretamente a sociedade. Falta um
diálogo maior e boa vontade política”, afirmou.
Para
tentar resolver o caos dos cartórios, a presidente da AMAB, Marielza
Brandão Franco, disse que tenta um encontro com o presidente do TJ,
Eserval Rocha, mas ainda não obteve êxito. “Já fui atendida pelo
governador e diversas entidades da sociedade, mas a única vez que
conversei com o presidente do TJ foi quando ele assumiu o cargo. Depois
disso, tentei diversas vezes uma conversa para tentarmos resolver essa
situação, mas não consigo.
Sou
atendida pelos assessores e secretárias dele, mas não é a mesma coisa”,
disse, ressaltando que muitos juízes têm apresentado problemas de
saúde, por conta do caos enfrentado nos cartórios. “A magistratura da
Bahia está sacrificada. Problemas que já existiam vem se agravando pela
falta de servidores e estruturas adequadas. Nosso magistrado não é
improdutivo, mas muitos juízes não conseguem o desempenho necessário
pelas más condições de trabalho e ficam estressados e doentes por não
darem conta da responsabilidade”, lamentou.
No
próximo dia 7 deste mês, a AMAB e a Associação dos Magistrados
Brasileiros (AMB) realizarão um ato no Fórum Ruy Barbosa por melhorias
no judiciário. Além disso, as associações querem aprovação das Propostas
de Emenda Constitucional (PECs) das Diretas Já 15/212, que tramita no
Senado, e 187/2012, em tramitação na Câmara dos Deputados. As propostas
visam permitir eleições diretas para os órgãos diretivos dos Tribunais.
“Nós, que somos guardiões da cidadania e das liberdades, não temos
democracia interna. Isso é um paradoxo”, concluiu a presidente.
Concurso
O
jornal fez contato com o Tribunal da Justiça, que através de sua
assessoria informou que a Presidência do Tribunal de Justiça da Bahia
tem recebido, regularmente, por meio de suas assessorias especiais,
chefiadas por juízes, representantes da AMAB. Além disso, o presidente
Eserval Rocha vem se reunindo com magistrados durante as visitas que
promove no interior. Nesta quarta-feira (29) estarão abertas as
inscrições para o concurso de servidores com a oferta de 200 vagas, mais
cadastro de reserva, número bem superior ao que é normalmente oferecido
pelas instituições públicas. A realização do concurso - reivindicação
de quase uma década – só foi possível graças aos ajustes financeiros
promovidos pela atual gestão. A oferta de vagas está limitada às
possibilidades orçamentárias.
Fonte: Tribuna ( Miro Psaros ) Saiu no Blog do Lau dia29/10/2014
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