quinta-feira, 30 de outubro de 2014

Juízes Baianos


Falta de estrutura e más condições de trabalho. Estas são as principais reclamações dos juízes sobre a atual situação do magistrado baiano. Para chamar atenção da sociedade, cartazes foram afixados nas portas de quase todas as Varas Civis do Fórum Ruy Barbosa, informando a quantidade de processos em andamento, assim como a deficiência no número de servidores em exercício. O ato integra a campanha Questão de Justiça, lançado pela Associação dos Magistrados da Bahia (AMAB), em julho deste ano. 
O objetivo da campanha é chamar a atenção da sociedade para a situação do magistrado baiano já que, o número de processos dobrou nos últimos anos. Segundo informações da AMAB, em 2012 a Bahia tinha cerca de dois milhões de processos e atualmente tem cerca de quatro milhões, porém o número de servidores em exercício não é compatível para atender essa demanda. A Bahia possui 586 juízes, o que representa uma demanda de sete mil processos para cada juiz, sendo que o indicado pelo relatório da ONU seria mil para cada.
Quem procura ajuda na 27ª Vara Civil, por exemplo, é surpreendido com o cartaz na porta informando que no local há cerca de 5.295 processos em andamento, com apenas um juiz, quatro escreventes, três oficiais de justiça e um assessor. No cartório ainda faltam diretor, subescrivão e defensor público, o que impossibilita a agilidade nas conclusões de casos. Na mensagem ainda consta uma observação sobre o artigo 216 da Lei de Organização Judiciária do Estado da Bahia, “na qual prevê o quadro funcional constituído por 17 servidores (excluído assessor e oficiais de justiça), lotação nunca atendida nos cartórios da capital”.
De acordo com o juiz responsável pela 27ª Vara Cível, Maurício Lima, diante da falta de condições de trabalho, os juízes baianos são ‘obrigados’ a escolher processos. “A situação na 27ª Vara melhorou bastante, porque tenho uma equipe com cinco servidores muito bem engajados, que trabalha durante greves e finais de semana, porém ainda precisamos de ajuda. Me sinto como se fosse um médico em uma UTI que precisasse escolher qual paciente salvar. A gente frustra por ter que selecionar processo, pois somos obrigados a ferir o princípio da igualdade das partes”, afirmou.
Ainda de acordo com Lima, existem varas funcionando apenas com dois servidores. “Tem locais que está com situação muito pior que a minha, como as 39ª e 30ª Varas e a Vara da Família. Tem unidades com dois servidores e o triplo de processos que tenho aqui (27ª). Como o juiz fica no cartório sem ter quem cumpra seus despachos? Estamos pedindo socorro para não perdermos a credibilidade”, disse. 
Fundada inicialmente para atender casos direcionados ao consumidor, a 30ª Vara Civil tem uma das situações mais complicadas, como afirmou o juiz Lima. O cartaz da porta indica que existem 14.731 processos em andamento, com apenas cinco escreventes, cinco oficiais de justiça, um diretor de secretaria e uma escrivã. No cartório ainda falta subescrivão, sendo que dos cinco oficiais de justiça, dois trabalham internamente, por questões de necessidades.
Segundo informações de Carla Ceará, juíza auxiliar da Vara e coordenadora da campanha, diante do caos atingido em 2008, com 50 mil processos, o Conselho Nacional de Justiça implantou um programa interativo no local para organizar as varas. Atualmente, o número é bem menor, mas ainda assim é preocupante. 
“Vivemos uma situação de abandono em primeiro grau. Não temos assessores e nem um sistema de informática que funcione. Estamos com estrutura do século XIX para uma demanda do século XXI. O nosso grito é de alerta com essa campanha. Queremos construir uma sociedade mais justa e ética, mas precisamos de ferramentas para isso. Pela primeira vez estamos dizendo a população que precisamos de ajuda, pois estamos vivendo uma situação de impotência diante do caos”, afirmou a juíza.
Situação precária dos cartórios baianos
Os privilégios dados aos desembargadores e a falta de participação das eleições diretas do Tribunal de Justiça são causas apontadas pelos juízos para o caos vivido nos cartórios baianos. Segundo Carla Ceará, todos os investimentos são feitos para os desembargadores, o que tem sido refletido diretamente na sociedade, pois 96% dos processos tramitam no primeiro grau. “Existem 4 milhões de processos no primeiro grau para 586 juízes. Já no segundo grau existem 40 mil processos para 49 desembargadores. É nítido que precisamos de mais atenção, melhorias nas condições de trabalho e mais diálogos com o segundo grau e o Tribunal de Justiça”, disse a juíza. 
De acordo com o juiz Maurício Lima, falta boa vontade política para resolver a situação dos cartórios baianos. “É preciso que o poder executivo atente para o judiciário para que não sejamos vistos pela sociedade como um poder omisso, frouxo e retardado. O executivo não pode ignorar essa situação que atinge diretamente a sociedade. Falta um diálogo maior e boa vontade política”, afirmou.
Para tentar resolver o caos dos cartórios, a presidente da AMAB, Marielza Brandão Franco, disse que tenta um encontro com o presidente do TJ, Eserval Rocha, mas ainda não obteve êxito. “Já fui atendida pelo governador e diversas entidades da sociedade, mas a única vez que conversei com o presidente do TJ foi quando ele assumiu o cargo. Depois disso, tentei diversas vezes uma conversa para tentarmos resolver essa situação, mas não consigo. 
Sou atendida pelos assessores e secretárias dele, mas não é a mesma coisa”, disse, ressaltando que muitos juízes têm apresentado problemas de saúde, por conta do caos enfrentado nos cartórios. “A magistratura da Bahia está sacrificada. Problemas que já existiam vem se agravando pela falta de servidores e estruturas adequadas. Nosso magistrado não é improdutivo, mas muitos juízes não conseguem o desempenho necessário pelas más condições de trabalho e ficam estressados e doentes por não darem conta da responsabilidade”, lamentou.  
No próximo dia 7 deste mês, a AMAB e a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) realizarão um ato no Fórum Ruy Barbosa por melhorias no judiciário. Além disso, as associações querem aprovação das Propostas de Emenda Constitucional (PECs) das Diretas Já 15/212, que tramita no Senado, e 187/2012, em tramitação na Câmara dos Deputados. As propostas visam permitir eleições diretas para os órgãos diretivos dos Tribunais. “Nós, que somos guardiões da cidadania e das liberdades, não temos democracia interna. Isso é um paradoxo”, concluiu a presidente. 
Concurso
O jornal fez contato com o Tribunal da Justiça, que através de sua assessoria informou que a Presidência do Tribunal de Justiça da Bahia tem recebido, regularmente, por meio de suas assessorias especiais, chefiadas por juízes, representantes da AMAB. Além disso, o presidente Eserval Rocha vem se reunindo com magistrados durante as visitas que promove no interior. Nesta quarta-feira (29) estarão abertas as inscrições para o concurso de servidores com a oferta de 200 vagas, mais cadastro de reserva, número bem superior ao que é normalmente oferecido pelas instituições públicas. A realização do concurso - reivindicação de quase uma década – só foi possível graças aos ajustes financeiros promovidos pela atual gestão. A oferta de vagas está limitada às possibilidades orçamentárias. 


Fonte: Tribuna ( Miro Psaros )     Saiu no Blog do Lau dia29/10/2014

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