sábado, 11 de julho de 2020

Prefeitura do PT na Bahia ignora apelo de comunidade carente; terreiro alaga há mais de 12 anos

Líder religiosa do Terreiro Oyá Matamba também relata episódios de intolerância religiosa, racismo religioso e transfobia
O menor sinal de chuva é motivo de desespero e tristeza para os moradores de uma localidade de Boca da Mata de Portão, em Lauro de Freitas, região metropolitana de Salvador. O problema, que já se arrasta por mais de 10 anos, é o alagamento das casas que ficam próximas de um córrego, trecho do Rio Joanes. A falta de obras de infraestrutura na região, juntamente com o descaso das autoridades, segundo moradores, é o que agrava a situação que parece não ter solução.

O Terreiro Oyá Matamba, conduzido pela líder religiosa Tiffany Odara, é constantemente afetado pelos alagamentos. Nesta semana, yalorixá Tiffany denunciou que também foi vítima de intolerância religiosa. De acordo com Tiffany Odara, funcionários da Secretaria de Serviços Públicos (SESP) de Lauro de Freitas se recusaram a entrar no local para fazer a limpeza do córrego que passa nas proximidades da casa. Os servidores municipais se negaram ao verem que se tratava de um local de religião de matriz-africana.
Thiffany faz um dossiê para lembrar dos atos de violências e reclamações que possui sem o devido tratamento por parte da Prefeitura de Lauro de Freitas, que atualmente é gerida pela prefeita Moema Gramacho (PT).

“O terreiro sofre há muitos anos. Em 2005, 2006 e 2007, mas em 2010 foi que a gente registrou um protocolo para analise da área fluvial, onde a gente não obteve resposta. Em 2016 sofremos um ataque de intolerância foi quando eles entraram no terreiro com máquinas retroescavadeiras e destroem uma parte do terreiro e em 2018 somos xingados por um funcionário da SESP. Em 2019 encaminhamos oficios e não temos respostas e em 2020 a gente tem essa omissão, essa não resposta da prefeitura em relação as fortes enchentes, a perca de materiais imateriais, pois a gente perdeu materiais de orixás aqui dentro do terreiro por conta dos alagamentos e as casas dos orixás”, relata a líder religiosa Como mulher trans, a líder religiosa ainda enfrenta a invisibilidade e relata sentimento de exclusão dentro dos movimentos de luta.

Eu me sinto muito triste e muito só com meus filhos da casa, sabe? O que eu percebo é que a desumanização pelo fato de eu ser uma mulher trans é latente. O que eu fico observando é que as outras Instituições, outros Terreiros, também ficam em silêncio. Eles levantam a bandeira contra o racismo religioso, mas ao ver que esse racismo acontece comigo eles somem. É um processo de sumirem, pois nesse momento a minha negritude não existe. O que é existe é minha transsexualidade e como esses corpos, corpos trans como o meu não é para estar a frente de um terreiro, eu me sinto só. A gente percebe que existe essa falta de responsabilidade da prefeitura também porque eu sou trans, pois está enraizado que não é esse o [meu] lugar.
desabafa Thiffany Odara.

Oyá Matamba foi fundado pela avó de Tiffany Odara, conhecida como Mãe Detinha, em 1960. Na época, para ajudar a comunidade Mãe Detinha ajudava nos partos, concedia água para os outros moradores e foi atuante na luta pela iluminação pública no local. Agora, a sua neta segue o mesmo trajeto em busca de dignidade para quem a cada chuva perde o pouco que conseguiu juntar ao longo do tempo com muito trabalho.

O registro da intolerância religiosa foi feito na Secretaria de Promoção da Igualdade Racial do Governo do Estado da Bahia (Sepromi) e um advogado acompanha o andamento do processo. Após muitas ligações, na manhã desta sexta-feira (10), funcionários municipais estiveram no terreiro para fazer a manutenção do canal, mas é uma medida paliativa. A comunidade não tem uma previsão de quando acontecerá também as podas de árvores, outra situação que preocupa quem vive no local.
As árvores colocam a vida dos moradores e os patrimônios em risco. Foto: Arquivo pessoal
Em nota, enviada através do Superintendente da Igualdade Racial, Paulo Aquino, a Prefeitura de Lauro de Freitas informa que existe a obra de macrodrenagem é grande e existe um projeto que visa resolver o alagamento. No entanto, a nota não identifica prazos e nem informa se haverá alguma ajuda para a comunidade, como materiais de higiene e limpeza. A assessoria da prefeitura também afirma que a denúncia de intolerância foi “tratada com o rigor que o tema requer”, sem dizer quais ações foram tomadas. Confira na íntegra.
O Canal dos Irmãos, que atravessa o terreiro OYA MATAMBA, em Portão, segue até a Avenida Luiz Tarquínio, em Vilas do Atlântico, e dali para o Rio Joanes. De acordo com a Secretaria Municipal de Infraestrutura, a macrodrenagem desse córrego é uma obra grande que vai resolver os alagamentos da Boca da Mata, onde está localizado o terreiro, até a avenida Luiz Tarquínio. Essa obra já tem projeto pronto, e a Prefeitura, autorizada pela Câmara de Vereadores, está contratando recursos junto ao FINISA, programa de financiamento exclusivo para saneamento da Caixa, para a realização dessa obra.
Sobre a denúncia de que um fiscal teria se recusado a entrar no terreno por ser um terreiro, foi tratada pela prefeitura com a responsabilidade e rigor que o tema requer, com o acompanhamento da Superintendência de Promoção da Igualdade Racial e Ações Afirmativas. A Prefeitura repudia todo ato de intolerância religiosa e a orientação para seus servidores é de respeito a toda diversidade e às religiões de matriz africana. ASCOM PMLF
A religiosa, Thiffany Odara relembra que em 2018, em outra situação de violência religiosa – quando foi agredida verbalmente por funcionários municipais -, não houve nenhuma medida por parte da prefeitura, mesmo diante da denúncia.
“Quando fomos xingados pelos funcionários da SESP em 2018 e em 2019 teve também uma negação [de entrar no local para fazer a manutenção] e foi reportado à secretária da pasta, elas não oficializaram nenhum tipo de pedido de desculpas, fica na omissão”, afirma Thiffany.

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